quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

K

pregação

À meia-noite de Natal,
entre gargalhadas,
rasgar de papéis e exclamações,
um sussurro:
Bem-aventurados 
os que se aconchegam e aconchegam
Bem-aventurados
os que riem e fazem sorrir
Bem-aventurados
os que descansam e deixam descansar
Bem-aventurados
os que abraçam e são abraçados

Bem-aventurados
sois vós que, 
     mesmo não tendo, dais,
     mesmo não podendo, dais,
     mesmo sem alegria, mesmo sem forças, dais

Bem-aventurados sois,
não sei se ganhastes o Reino dos Céus,
mas sei que ganhastes tesouros na terra. 

(foto do autor obtida com telemóvel:
S. Martinho do Porto 2010)

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domingo, 20 de dezembro de 2015

K

sentir

Já sentiste

as flores

que a tua boca

pode criar?

Os mundos

que as tuas palavras

podem fazer florir?


Se o teu sorriso

amplo,

se as tuas palavras,
se a tua boca, 
enfim,
podem criar vida,
por que esperas?

(foto do autor
obtida com telemóvel)

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sábado, 28 de novembro de 2015

K

afastando-se

Despego-me de alguns,
daqueles que me perderam;
as amarras,
os laços esgotam-se,
desfiam-se;
vejo o mar,
olho o passado
e firmo as memórias
que em mim cabem.
Hoje, na pirueta das ondas,
no regresso das vagas
ao mar chão,
apenas sobra 

o desgaste,


a polução rota 
do esquecimento.

("Opta pelo silêncio,
haverá sempre quem 
se esquivará 
dos teus caminhos,
e nas esquinas falará
dos teus actos.
Que a tua cabeça seja hirta
como o Sol, 
nada te atormentará, então."
Fala de Titus, o historiador,
a seu discípulo Justinus)

(foto do autor obtida
com telemóvel)

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sexta-feira, 13 de novembro de 2015

K

derama


Veste um sorriso,
como quem veste uma flor.

Acautela-te do frio

que a tristeza traz.

Lembra-te,

a vida pode ser uma peça de teatro,

tu até podes nem ser actriz,

mas mesmo como técnica de luzes,

serás sempre necessária;

por isso,

não te esqueças 

de te cobrir com um sorriso

e de deixar o drama

com os teus colegas 

lá no palco.

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domingo, 8 de novembro de 2015

K

partida

Partiste, mas não partiste: sempre foste uma espécie de pequeno paradoxo.
Não é, com certeza, um adeus mas um até já, meu querido.

(Recepção: Outubro/2010 - Doação ao Criador: 2/11/2015)

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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

K

anoiteceste


Anoiteceste,
as tuas mãos
enlaçaram os restos do meio-dia,
no teu colo
aninhaste a brisa do Outono,
nos teus cabelos soltos,
no seu roçagar cálido,
embalaste a areia,
a beira-mar.
Voltaste a sorrir ao Sol,
o mar ajeitou as ondas
numa espuma alegre,
contudo dissolvendo uma tristeza
sem dor, sem queixa,
prostração acre, doce.
Pelos teus olhos corre uma luz mortiça,
hasteando as velas numa chegada mansa,
o mar
meigamente
depositando-te,
na ternura de um dossel amoroso.

(imagem do autor obtida com telemóvel:
praia fluvial algures na Beira)

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quinta-feira, 15 de outubro de 2015

K

Outono, opus 2

As árvores vão-se fechando, o ar amolece, há um sabor a adeus e, nas janelas poeirentas do Verão, há um levíssimo travo a Natal.

(imagem do autor: Caramulinho, num Outono, imediatamente antes das mãos criminosas que trouxeram o fogo e a morte)

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sábado, 10 de outubro de 2015

K

antes
















Antes que a vida vire futuro
e o presente já não seja uma prenda.
Antes que o sol se ponha
e as mulheres esqueçam o dar à luz.
Antes que tudo seja já passado,
antes que o teu sorriso
já nem seja memória,
antes que as tuas mãos
tenham esquecido
o sabor do meu rosto,
a prática dos afectos
volta-te e beija o poente,
que as flores aninhem
o teu poema
e as tuas mágoas virem nuvens.

(Foto do autor obtida com telemóvel:
Palácio da Pena numa noite de Verão)

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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

K

Acenos

Já viste como te acenam os teus olhos?
Já relanceaste os teus olhos pardos
pela espuma que os segue?
Já olhaste e viste o mar,
em ondas seguras?

Prepara a tua bolsa,
o teu sorriso e o passaporte;
hoje o teu corpo viajará, quer o sigas ou não,
e não haverá espuma, ondas seguras ou olhos pardos
que reconciliem o teu coração, as tuas mãos ou a tua boca errante.

No fundo,
embarcarás,
num sonho mascarado
depositar-te-ás toda,
e o teu regresso
não passará de uma memória 
vazia.
(Imagem do autor
obtida com telemóvel:
noite de Verão no Palácio da Pena)


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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

K

verdana























As palavras já não têm álibi,
já não são belas,
já nada designam
a não ser o escuro
da sua ocultação.

Nada as justifica,
nada as perdoa,
nada!
a não ser 
o seu ajuntamento 
a que chamam texto.


As palavras já não se guardam,
já não nomeiam o presente
em textos diários 
de pequeno-almoço.
já não guardam o prazer
indizível da leitura,
no conforto das luzes baixas.

Hoje,
são apenas 
rutilâncias paralelas,
amontoados de letras,
escritos que vendem 
tudo o que quiseres,
sobretudo o silêncio
da parede
cujo imperativo é escutá-lo.

As palavras não têm álibi,
conversam no escuro
da sua ocultação,
trânsito de Vénus,
semi-eclipse de ideias
esbatendo-se
na modorrice dos dias.

("Guarda a tua boca das palavras insensatas.
É nos teus lábios que se encontra a vida e
a morte. Sê sábio, se não puderes elogiar,
cala-te!" Fala de Jesus, dito o Cristo, ao seu 
discípulo amado)

(fonte da imagem:
foto do autor obtida com telemóvel
em Santa Marta-Lisboa, algures
em 2013)

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domingo, 20 de setembro de 2015

K

Outono II



Apesar do calor,
da luz,
o Outono insinua-se,
espreita
por detrás das árvores,
num meio-sorriso
de emergente vitória.
E, numa tela
de Silva Porto,
pressinto
o bafo tranquilo
de uma era que se pressente.


(fonte da imagem:
http://aarteemportugal.blogspot.pt/2011/12/antonio-carvalho-de-silva-porto-1850.html)

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domingo, 13 de setembro de 2015

K

Manhã dolorosa


Foi no dia em que o imperador se 

curvou perante a morte.

A guarda imperial prostrou-se nas 

escadarias do palácio.

Suavemente, os outros guerreiros 

ajoelharam depondo as espadas, as 

lanças, os escudos. Faziam-no 

ingenuamente: inútil é lutar com a 

morte: se esta levara o imperial 

senhor, por que não o faria com eles, 

os mais fortes de entre os mais fortes 

de todos?

Agora, o império era um campo 

desguarnecido, território jacente numa 

aflitiva abertura à Europa.

(Publicado em 77 palavras, o blogue de Margarida Fonseca Santos)
(Fonte da imagem: https://bibliblogue.files.wordpress.com/2014/04/manfred-von-richthofen-4.jpg)

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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

K

partida

Apago-me
na semi-obscuridade.
Vejo um limiar,
uma semi-luz
que me abraça,
numa letargia doce
que me semicerra os olhos.
É uma linha,
uma gentil, doce linha,
que me lava os olhos.
Sinto a cabeça já longe,
na distância rouca
de um tempo
que irei conhecer.
Vejo as mãos,
os dedos estendidos,
num quase cumprimento,
melhor, num adeus.

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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

K

Transversal complacência

É quando te olho,
nessa mudez altaneira,
nesse teu meio-sorriso
(assim mesmo,
hifenizado),
que a minha complacência,
de viés,
desliza por ti acima,
num quase-tango
(também hifenizado).

Podes semi-cerrar
(hifenizadamente)
os teus lábios,
podes virar a cara
(e o rabo de cavalo,
sem hífen),
que a minha complacência,
deslizará sempre 
por ti acima;
e mesmo que navegues 
o teu pedantismo,
pelas águas indiferentes,
a minha complacência
sempre te atirará
borda-fora
(nem o hífen
te livrará
do mergulho 
e do espalhafato).

Assim será.

(fonte da imagem:
http://dopepicz.com/69332842-movie-gone-with-the-wind-dresses.html)

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quinta-feira, 13 de agosto de 2015

K

Noite sem resposta



Noite de trovões,

de arruaça nos céus.

Uma casa destacando-se,

na sua pequenez,

no meio da cidade.

Por entre as árvores,

fui-me chegando,

as mãos tremendo no gesto;

gesto contido,

os dedos acariciando o vidro,

mais do que batendo.

Repeti,

a voz sussurrada

a acompanhar o chamamento;

respondia-me o fragor,

anulamento da minha chamada.

O quintal,

as árvores-penumbra,

continham a sombra

que me seguia,

quase réstia de mim.

A janela abriu-se,

nem terão sentido

os meus passos.

(fonte da imagem:

http://junkpit.net/2011/freehand-flinders-street-at-night-colour-and-black/)

(publicado no blogue 77 palavras de Margarida Fonseca Santos)

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domingo, 9 de agosto de 2015

K

Algumas faculdades


Foi-se aproximando o tempo das letras.
Letras,
mirando atalhos,
fixando-se num poente
em que a dor já nem se escreve.
As letras, serpenteando,
indagam o traço de união,
o hífen que as torne palavras,
[onomatopeias servem].
Letras,
que as marcas renovam,
travestindo-as
num ritmo cigano,
entre palmas, sapateado:
grave, agudo ou circunflexo,
cedilha,
“nada se perde…
tudo se varre
pelo tempo fora”.
Sim,
foi chegando a era das letras,
que se engolem,
se ignoram,
em sms efémeras.

("Rega a tua vida de saber, também.
Olha mais para o belo, sabe escassamente
o que os outros dizem. Deixa que a arte 
te afunde e te abençoe."
Fala de Demóstenes a Péricles,
ainda na Democracia) 

(imagem de Francisca Torres, 
blogue 77 palavras de 
Margarida Fonseca Santos)

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sábado, 11 de julho de 2015

K

aritmética elementar

Quatro paredes,
uma porta,
quatro paredes.
Isto é a civilização,
isto é o homem de hoje:
mais quatro menos um mais cinco.
Números, 
contagens:
quantos passos para lá?
quantos passos para cá?
Isto é a civilização,
isto é o homem de hoje:
quatros paredes mais uma,
menos uma porta mais duas,
quatro janelas menos três.
Assim adormece o homem,
assim deixa fugir o sonho
na contagem
de paredes,
portas,
janelas.

E as árvores 
indiferentes,
murmurando 
[lá fora].

(fonte da imagem:
http://linhas.nobolso.net/fotos/graffitis-%E2%80%93-predios-av-fontes-pereira-de-melo-lisboa)

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segunda-feira, 6 de julho de 2015

K

contador

Sei que envelheci quando começo a contar histórias.

Sei que envelheci ainda mais quando alguém começa a ouvir-me.



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domingo, 28 de junho de 2015

K

vazio

E sobra sempre uma tensão, 
um receio do desconhecido, 
um pavor do vazio.


(Foto: poço iniciático,
Quinta da Regaleira,
Sintra)

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sexta-feira, 19 de junho de 2015

K

Não-Palavras

Sopa,
zurrapa
numa malga desdendata
mal cheia de palavras.
Espalho-as,
nao voltam,
mas retornam
enfunadas na 
desgraça de um
texto rude,
traiçoeiro, até.
É na malga
que as caldeio,
ganga informe as quereria;
no fim do túnel
surgem atabalhoadas,
cavalgando a secura informe,
carcaças inteiriças,
crestando o verbo.

Voem!
Voem no Suão que
vos não traga,
na onda impante
que vos submirja 
em memórias já
esgotadas.


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segunda-feira, 8 de junho de 2015

K

palavra

Foi no degrau lascado
do esquecimento
que te reencontrei,
palavra fugidia.
Estavas assim,
trocista,
curvada sobre o sonho.
Ias, talvez,
embarcar,
no progressivo
desvanecer 
de um 
cada vez mais distante
porto.
(...)
e eu que precisava tanto de ti,
minha querida palavra...

("Quando partires,
cuida em levares 
as tuas palavras.
Não te sejam precisas
essas moedas de troca,
esses tesouros que só 
a ti te pertencem."
Fala de Cícero 
a Paulus, seu mensageiro)


(Fonte da imagem: n/a)

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quinta-feira, 21 de maio de 2015

K

Logo

Logo será o meu dia,
lentamente,
nada mudará.
Escamoteio o tempo,
sacudo-o,
rasgo-o,
para guardar 
os seus pedaços.
O meu dia será,
certamente
= 365 outros,
(dos outros).
Logo será o meu dia.
(Fonte da imagem:
http://www.cantinhodali.com)

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segunda-feira, 27 de abril de 2015

K

entardece

Um corpo marcado pelo vento,
as águas formam trilhos,
espreguiça-se o compasso,

a bússola treme.
O vento tresmalha algumas folhas,
só se ouve o restolho.
A colina beija, lentamente,
o riacho que se espalha
na brandura de um entardecer;
o sol fixa-se,
um gesto expectante ganha forma,
e o tempo pára,
numa apoplexia deslumbrante:
cerejas misturam-se no pó,
amoras mergulham sôfregas nos córregos,
a brisa morna tudo envolve numa prodigiosa
salada de frutas.
Entardece então.                         

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"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue! Sopro Divino

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